sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Sendo mãe de felinos

Foi em um dia 02 de novembro, dia de finados, que de repente me deparei com uma gatinha abandonada. A caminho da casa de minha irmã, próximo a uma lixeira, ouvi o miado alto e insistente, parei e olhei de longe mas nada visualizei. Ao retornar, ainda o miado desesperado, aproximei-me e eis que ela correu para mim, tão pequena e assustada que eu automaticamente me abaixei e a peguei no colo. Mesmo já tendo três cachorras no quintal, não tive escolha, estava selado, mais nada a fazer. Agora éramos eu e Azula.


Menos de um mês depois, através de minha mãe, surge o Thor. E eu nem queria um gato macho, mas...


Começou então a preocupação, como adaptar minha casa, num segundo andar, de varanda ampla e totalmente aberta à existência destas criaturinhas indefesas?

 

Resolvi cercar parte da varanda para dar mais liberdade a eles, que antes só ficavam dentro de casa, e mais tranquilidade para mim. Assim surgiu meu primeiro gatil.
Feito com canos de pvc de 50mm, tela de nylon e abraçadeiras de plástico.

 

A posição da janela foi perfeita para permitir o acesso ao quarto. A escadinha, só depois de muito tempo começaram a usá-la como apoio, quando pulavam para a janela. Já a rede, nunca gostaram, acabei desmanchando. Com o tempo a parede abaixo da janela ficou toda suja e arranhada.
Passados oito meses, surge à minha porta um pobre gatinho pedinte, sujo e esfomeado, não podia me ver saindo ou chegando que corria em minha direção pedindo comida. Parece que um atrai o outro... novamente não tive escolha, porque Thomas chegou em casa.

 

E com o Thomas, a necessidade de mais espaço, a necessidade de um novo gatil. 

Fechei todos os espaços com janelas de alumínio - ainda estou me adaptando a essa necessidade, muito vidro pra limpar, e que nunca param limpos! E ainda não me sinto... segura... talvez seja a transparência toda, enfim... - e telei as aberturas.


 A parte do cantinho da varanda, que tinha pouco uso, foi pintada para receber muitas marcas de patinhas e ser fácil de limpar. Recebeu também umas prateleiras feitas com sobras da madeira que foi usada para o guarda-roupa. Estavam largadas num canto, estragando, serrei fora algumas partes mofadas e aproveitei o que deu e do tamanho que foi possível.




Agora, após um ano e um mês da chegada da Azula, consegui concluir os preparativos, a família está completa, segura e com seu próprio espaço. Amém.

quarta-feira, 14 de março de 2012

E Deus criou a Mulher...

A definição mais poética e romântica que já li.

sábado, 21 de janeiro de 2012

"E criou Deus o homem à sua imagem; macho e fêmea os criou" (Gn 1,27)

Referente ao velho debate homem x mulher, encontrei um ponto de vista muito interessante e sábio no livro Papisa Joana de Donna Woolfolk Cross, leitura que prendeu minha atenção da primeira à última página e me fez querer saber mais sobre essa heroína, cuja história também está representada em filme de mesmo nome. Por gostar tanto desejei dividir o conhecimento e irei postar aqui um trecho do livro:

Odo sorriu, seus lábios finos contraindo-se de modo desagradável. Ele tinha a expressão da raposa que conseguiu encurralar o coelho.
- (...) Pois o próprio São Paulo afirmou esta verdade, que as mulheres são inferiores aos homens em concepção, em lugar, e em vontade. Em concepção porque Adão foi criado primeiro e Eva depois; em lugar porque Eva foi criada para servir Adão como companheira; e em vontade porque Eva não pôde resistir à tentação do diabo e comeu a maçã.
(...)
Joana sentiu uma profunda antipatia por aquele homem de cara delgada. Por um instante ficou silenciosa, puxando o seu nariz.
- Por que a mulher seria inferior em concepção? - ela perguntou por fim - Pois embora tenha sido criada depois, ela foi feita da costela de Adão, ao passo que Adão foi feito de mero barro. Em lugar, a mulher deveria preceder o homem, porque Eva foi criada dentro do Paraíso, e Adão fora dele. (...) Quanto a vontade, a mulher deveria ser considerada superior ao homem, pois Eva comeu da maçã por amor à cultura e ao conhecimento, enquanto Adão comeu simplesmente porque ela pediu que ele comesse.

domingo, 12 de setembro de 2010

História de um cão

Eu tive um cão. Chamava-se Veludo:
Magro, asqueroso, revoltante, imundo;
Para dizer em uma só palavra tudo
Foi o mais feio cão que houve no mundo.

Recebi-o das mãos de um camarada
Na hora da partida. O cão gemendo,
Não queria me acompanhar por nada:
Enfim – mau grado seu – o vim trazendo.

O meu amigo cabisbaixo, mudo
Olhava-o... O sol nas ondas se abismava...
Adeus! – me disse, - e ao afagar Veludo
Nos olhos seus o pranto borbulhava.

“Trata-o bem. Verás como rasteiro
“Te indicará os mais sutis perigos;
“Adeus! E que este amigo verdadeiro
“Te console no mundo êrmo de amigos.

Veludo, a custo, habituou-se à vida
Que o destino de novo lhe escolhera;
Sua rugosa pálpebra sentida
Chorava o antigo dono que perdera.

Nas longas noites de luar brilhante,
Febril, convulso, trêmulo, agitando
A nua cauda – caminhava errante
À luz da lua – tristemente uivando.

Toussenel, Figuier e a lista imensa
Dos modernos zoólogos doutores
Dizem que o cão é um animal que pensa:
Talvez tenham razão esses senhores.

Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio,
Cinco meses depois, do meu amigo,
Um “envelope” fartamente cheio:
Era uma carta. Carta! Era um artigo,

Contendo a narração miúda e exata
Da travessia. Dava-me importantes
Notícias do Brasil e de La Plata,
Falava em raios, árvores gigantes;

Gabava o “steamer” que o levou. – dizia
Que ia tentar inúmeras empresas:
Contava-me também que a bordo havia
Mulheres joviais – todas francesas.

Assombrava-se muito da ligeira
Moralidade que encontrou a bordo:
Citava o caso de uma passageira...
Mil coisas mais de que não me recordo.

Finalmente, por baixo de tudo,
Em “nota bene” do melhor cursivo
Recomendava “o pobre Veludo”
Pedindo a Deus que “o conservasse vivo”.

Enquanto eu lia, o cão tranqüilo e atento
Me contemplava, e, - creia que é verdade
Vi, comovido, vi nesse momento
Seus olhos gotejarem de saudade.

Depois lambeu-me as mãos humildemente,
Estendeu-se a meus pés silencioso,
Movendo a cauda, - e adormeceu contente,
Farto de um puro e satisfeito gôzo.

Passou-se o tempo. Finalmente um dia
Vi-me livre daquele companheiro:
Para nada Veludo me servia,
Dei-o à mulher dum velho carvoeiro.

E respirei! – Graças a Deus! Já posso
- Dizia eu – Viver neste bom mundo
Sem ter que dar diariamente um osso
A um bicho vil, a um feio cão imundo.

Gosto dos animais, porém prefiro
A essa raça baixa e aduladora
Um alazão inglês, de sela ou tiro,
Ou uma gata branca cismadora.

Mal respirei, porém! Quando dormia,
E a negra noite amortalhava tudo,
Senti que à minha porta alguém batia:
Fui ver quem era, abri. Era Veludo.

Saltou-me às mãos, lambeu-me os pés ganindo,
Farejou toda a casa satisfeito;
E – de cansado – foi rolar dormindo
Como uma pedra – junto do meu leito.

Praguejei furioso. Era execrável
Suportar esse hóspede importuno
Que me seguia como um miserável
Ladrão, ou como um pérfido gatuno.

E resolvi-me enfim. Certo, é custoso
Dizê-lo em alta voz e confessá-lo:
Para livrar-me desse cão leproso
Havia um meio só: era matá-lo.

Zunia a asa fúnebre dos ventos;
Ao longe o mar, na solidão gemendo
Arrebentava em uivos e lamentos...
De instante a instante ia o tufão crescendo.

Chamei Veludo, ele seguiu-me. Entanto
A fremente borrasca me arrancava
Dos frios ombros o revolto manto
E a chuva meus cabelos fustigava.

Despertei um barqueiro. Contra o vento,
Contra as ondas coléricas vogamos;
Dava-me força o torvo pensamento:
Peguei num remo – e com furor remamos.

Veludo à proa olhava-me choroso
Como um cordeiro no final momento:
Embora! Era fatal? Era forçoso
Livrar-me enfim desse animal nojento.

No largo mar ergui-o nos meus braços
E arremessei-o às ondas de repente...
Ele moveu gemendo os membros lassos
Lutando contra a morte. Era pungente.

Voltei a terra, - entrei em casa. O vento
Zunia sempre na amplidão – profundo.
E pareceu-me ouvir o atroz lamento
De Veludo, nas ondas moribundo.

Mas ao despir dos ombros meus o manto
Notei – oh grande dor! - Haver perdido
Uma relíquia que eu prezava tanto!
Era um cordão de prata: - eu tinha-o unido

Contra o meu coração constantemente
E o conservava no maior recato,
Pois minha mãe me dera essa corrente
E, suspenso à corrente, o seu retrato.

Certo caíra além, no mar profundo,
No eterno abismo que devora tudo;
E foi o cão, foi esse cão imundo
A causa do meu mal! Ah! Se Veludo

Duas vidas tivera, - duas vidas
Eu arrancara àquela besta morta!
E aquelas vis entranhas corrompidas!
Nisto senti uivar à minha porta.

Corri, - abri. Era Veludo! Arfava
Estendeu-se a meus pés – e docemente
Deixou cair da boca que espumava
A medalha suspensa da corrente.

Fora crível, oh Deus? – Ajoelhado
Junto do cão, - estupefato, absorto,
Palpei-lhe o corpo: estava enregelado;
Sacudi-o, chamei-o! Estava morto.

LUIS GUIMARÃES JÚNIOR

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Administração de Vendas


Estão sendo postados aqui dois capítulos, que considerei essenciais, do livro de Las Casas: Gerência de Vendas e Motivação.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cachoeira e S. Félix

QUANDO os pioneiros partiram de Salvador, capital da Bahia, com destino ao Recôncavo Baiano, foram por mar. Depois de navegarem algumas horas, encontraram um grande rio navegável, que denominaram Paraguassu, em homenagem à índia Paraguassu. Tiveram a sensação de aportarem em uma região onde a grande artista, que é a natureza, esculpiu e pintou a floresta e o céu em cores mais belas que as do arco-íris, tendo como acabamento um rio ao meio.
Extasiados, os pioneiros contemplaram aquelas terras selvagens, habitadas por duas tribos de índios amigos. Uma em cada lado do rio. Puseram o primeiro marco da fazenda Cachoeira. O nome foi influenciado pela disposição das águas do rio e também pelo nome da mais bela e graciosa índia, até então vista nas terras da Bahia. Chamava-se Cachu. Era filha do chefe da tribo. Tinha a fidalguia de uma nobre européia. Seus olhos eram dois oceanos de luz, que faziam contraste com a beleza do rio. Seus cabelos negros eram longos como as caudalosas correntes do rio. Os índios na­quele tempo não eram estúpidos como os atuais, que amar­ram uma embira na barriga e pensam que estão vestidos.
Os pioneiros tiveram carinhosa recepção pelos índios. Inúmeras canoas cruzaram o rio.
Eram os da outra tribo, que vieram saudar e dar boas vindas aos viajantes. Não desejavam porém permanecer ali os pioneiros. Desejavam seguir para a frente e reservar aquele pedaço de céu com um rio e duas povoações em suas margens para a etapa final. Reservaram como uma deliciosa sobremesa, para um banquete de desbravamento. Atravessaram o rio em canoas dos índios, decoradas com flores silvestres. Na outra margem do rio eles puseram um marco com um nome, que na volta modificaram para S. Félix. Estavam pisando em terras daqueles índios que atravessaram o rio para os saudar. Entre eles destacava-se o jovem índio Iratu, filho do cacique.
Belo espécime de sua raça. Vigoroso e destemido, era o maior caçador de toda a região. No seu coração habitava a bela índia Cachu, sua noiva. Também ele encantou os viajantes, com a sua sabedoria e a sua inteligência.
Os pioneiros deixaram aquele paraíso e prosseguiram enfrentando as vicissitudes, até chegarem a uma planície a que denominaram Cruz das Almas.
Aquela bandeira terminava ali. Não tinham mais co­ragem de prosseguir, porque o desejo geral era regressar e acampar nas margens do Rio Paraguassu. E assim fizeram.
Os índios de ambas as margens os esperaram com gran­des festas. Os tambores anunciaram o regresso dos pio­neiros. Flautas de bambu tocavam melodias índias. O je­suíta frei Afonso batizou o índio Iratu com o nome de Félix. Depois, em homenagem às extraordinárias qualida­des daquele atlético índio, os pioneiros tiraram o marco que antes deixaram e puseram outro com o nome de S. Félix, onde mais tarde nasceu a bela cidade que conserva o mesmo nome. Descansaram alguns dias. Armaram as barracas em ambas as margens do rio, a fim de agraciarem com suas presenças as duas tribos.
Depois, saudosos, partiram, levando para Salvador o heroísmo de suas conquistas, os presentes recebidos e o relato maravilhoso daquelas terras selvagens, onde pela primeira vez o pé do homem civilizado pisou.
Ao ouvir o relato, o holandês Bernard, traficante de escravos, pôs em um navio negreiro (próprio para rios como o Paraguassu) todos os seus escravos e foi apossar-se da­quelas terras, à margem do Paraguassu, relatadas com tanta beleza. Chegando lá escolheu Cachoeira. Obrigou os es­cravos e os índios a trabalharem doze horas por dia, a fim de construírem uma mansão à beira do rio, no lugar onde hoje é o cais. Depois da bela casa pronta, o maldito tam­bém queria fazer um harém. Mandou buscar mulheres em Salvador. A beleza da índia Cachu o seduziu. Ele queria que ela fosse a favorita do harém. Cachu recusou. O mal­vado a agarrou à força. Ela o esbofeteou. Aquela mão índia foi a primeira mão que esbofeteou aquela face he­dionda. Em seguida ela remou na canoa e fugiu para S.Félix em busca de proteção do seu amado Félix. O mal­vado segui-a com os seus escravos, armados. Tiraram Cachu dos braços de Félix. A uma reação dos pobres ín­dios, que não tinham armas de fogo, o malvado mandou exterminar todos eles, dali, de S. Félix. Salvaram-se ape­nas alguns, que conseguiram fugir para as matas.
Cachu viu o seu amado tombar ao impacto das balas assassinas. A terra e as areias do rio ficaram tintas de sangue. Os corpos dos índios foram atirados no rio. O malvado trouxe Cachu de volta, para Cachoeira. Os índios de Cachoeira junto com o cacique seu pai vieram em sua defesa. Tiveram a mesma sorte que os índios de S. Félix. A grande calçada, que o malvado mandou fazer em volta da casa ficou tinta de sangue, e ainda a terra e a areia. Cachu foi assassinada. A matança de índios foi grande. De am­bos os lados os índios eram bravos. Lutaram até morrer. Suas ilechas eram impotentes, diante das armas de fogo.
Os corpos também foram atirados no rio. As águas do Paraguassu estavam vermelhas, com o sangue dos mártires. O rio Paraguassu foi testemunha daquele massacre. Guar­dava no seu seio os corpos dos mártires. Suas águas cor­riam como lágrimas de dor.
Barnard acendeu grandes fogueiras e fêz uma grande festa, para comemorar o massacre. Para ele tudo estava bem, mas para o rio Paraguassu, não.
Acabadas as festividades todos foram dormir. Só o rio não dormiu. Ele precisava de lavar o sangue dos mártires. O rio, que nunca antes crescera, naquela noite cresceu... cresceu... cresceu o volume de suas águas até atingirem a terra de Cachoeira e S. Félix. O sangue dos mártires foi lavado. O rio continuou crescendo, até cobrir a casa de Bernard. Ele, seus filhos e seus escravos foram carre­gados pela enchente, sem tempo para se defenderem.
O rio só deixou de subir quando não mais existia pedra sobre pedra na casa do malvado.
Depois outros povos vieram, colonizaram S. Félix e Cachoeira. Seus filhos foram nascendo, com fibra de he­róis. A alma de Cachu infundiu mais coragem nos herói­cos filhos de Cachoeira, levando-os a soltarem o primeiro grito de independência, jamais ouvido antes no Brasil. Aquele grito que ecoou por todo o Brasil! Que encheu o Brasil de orgulho! Aquele grito que chegou aos ouvidos de D. Pedro I, conduzindo-o às margens de outro rio, o Ipiranga, onde sua majestade, erguendo a sua espada, soltou aquele histórico "Independência ou Morte"! ([1])
([1]) Este conto é "science fiction", mas sobre o primeiro grito de Independência no Brasil é realidade.
Quando Cachoeira soltou o seu grito de independência S. Félix extasiado ouviu. Seus filhos estavam prontos para ajudar a cidade irmã. Muitos atravessaram o rio e foram unir-se aos heróis. Envolveram-se na mesma bravura. Si­lencioso o Rio Paraguassu contemplou. Ele é a alma e o coração de S. Félix e Cachoeira. Onde nasce, ninguém se preocupa em saber; por onde passa a ninguém importa, o que importa é que a sede do Rio Paraguassu é em Ca­choeira e S. Félix.
Como um réquiem aos índios massacrados, o Rio Pa­raguassu ainda continua, com as enchentes, lavando as calçadas e cobrindo as casas de Cachoeira e S. Félix. Esta última resiste às enchentes, com heroísmo. As duas cidades e o rio são o cartão postal do Estado da Bahia. E Cachoeira, que devia ser o selo de ouro do Brasil, desco­nhecida e esquecida nos tempos de agora, com heroismo resiste às enchentes daquele fabuloso rio, que as autoridades brasileiras nunca tiveram consideração de o mandar dragar, em benefício daquela cidade.

Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio

Cidade Governador Mangabeira

A PEQUENA cidade de Governador Mangabeira foi plantada e fundada com a bravura dos pioneiros.
É uma roseira no recôncavo baiano, que deu um galho com três rosas em longas hastes, que são as suas três ruas. É uma cidade pobre, mas tem a riqueza no coração de seus habitantes.
Pertencia a Muritiba, um arraial. Quis a sua independência e tornar-se uma cidade, para honrar o nome de seu filho, o grande poeta, Castro Alves, nascido em Cabeceiras, que pelo direito pertence a Governador Mangabeira. A cidade é limpa, as casas são graciosas. A cadeia está sem­pre vazia porque não há criminosos.
A alma de Castro Alves predomina até no ar que se respira. A poesia continua, como no tempo em que seu filho cantou, em versos imortais, o Navio Negreiro e outros versos em defesa dos oprimidos e em defesa da pátria amada: Brasil.
A poesia de hoje não está nos versos do poeta. Está na beleza de suas mulheres. Está nas noites de lua que a eletricidade não conseguiu superar; está no solo fecundo onde crescem flores e hortaliças em abundância; está na sombra das mangueiras, que dão os mais deliciosos frutos; está na sombra das jaqueiras, que nos convida a repousar olhando de baixo os seus frutos, que parecem balões pendurados; está na fonte da Bica que com a sua água fresca e cristalina oferece banhos sadios e maravilhosos; está no chapéu de couro dos catingueiros, que aos sábados vêm fazer a feira; está nas casas de sapé dos arredores; está na graciosa igreja, que aos domingos se abre, quando o padre de S. Félix vem celebrar a missa, está, enfim, na lenda do logarejo chamado Bom Sucesso, onde se venera a imagem do Senhor de Bom Sucesso, padroeiro da cidade, que antes se chamava Cabeças.
O nome originou-se porque quando os pioneiros par­tiram de Salvador, capital da Bahia, com destino ao recôn­cavo baiano, desbravando matas e conquistando terreno, à foice e a machado, viram um caminho naquele lugar, que parecia uma estreita estrada. Eles armaram as barracas, plantaram um marco, fizeram grandes fogueiras, dispostos a descansarem alguns dias, a fim de refazerem as energias perdidas. Depois prosseguiram a jornada, até a planície que eles denominaram Cruz das Almas, porque no meio dos arbustos havia uma grande cruz de madeira. Aproxi­maram-se e viram que a cruz era uma árvore, que nasceu em forma de cruz.
Depois os índios avisaram que eles não voltassem, por­que poucas léguas distante, num lugar que tinha um ca­minho como estreita estrada, existia uma grande cobra, com vinte e um metros de comprimento e com sete cabeças.
Comia com todas as sete cabeças, durante sete dias, depois dormia sete dias. Quando conseguia pegar um índio, comia o corpo, deixava a cabeça, que guardava perto da fonte da Bica, como troféu.
Eles tiveram sorte, quando passaram, a cobra estava dormindo. Só uma coisa, ela tinha medo: era do fogo.
Eles não podiam permanecer para sempre naquele lugar, que eles fundaram a fazenda Cruz das Almas. Era preciso matar o monstro e voltar. Bem armados, foram preparando fogueiras, como as de S. João, quando estavam próximo do lugar. Puseram um líquido inflamável e deixaram para acender quando fosse preciso. A cobra estava acordada. Quando os viu, partiu para liquidá-los. A fuzilaria foi cer­rada. Quanto mais eles atiravam, mais o monstro avançava. Eles foram recuando e acendendo as fogueiras. Assim eles salvaram as suas vidas. Desanimados, voltaram.
Ao ouvir o insucesso da missão, frei Afonso, o Jesuíta, que os acompanhava, tinha ficado em Cruz das Almas, re­zando, prometeu rezar mais e encontrar uma solução. Ele passou a noite deitado, ao pé da cruz, rezando.
No dia seguinte ele disse: — "Nós temos um canhão, vamos precisar. Levarei sete balas de canhão, com água benta. Uma para cada cabeça da cobra. José, que é escul­tor, deverá esculpir uma cruz de madeira, de jacarandá, e uma imagem de Jesus, em cajá, para botarmos no canhão. Só assim poderemos vencer o monstro”.
Tudo foi feito. Levaram o canhão, com a cruz e a ima­gem de Jesus, na frente. Quando o monstro apareceu, o primeiro tiro arrancou uma cabeça, o segundo outra, até o último, que arrancou a última cabeça. A serpente soltava urros, abalava tudo. Depois eles queimaram o corpo da ser­pente. Encontraram muitas cabeças de índios mumificadas pela cobra, que eles deram sepultura. Por esse motivo eles batizaram o lugar com o nome de Cabeças. E pela ajuda de Jesus, cuja imagem estava na frente do canhão, pelo sucesso alcançado, frei Afonso batizou a imagem com o nome de Senhor do Bom Sucesso.
Até hoje é venerada em Governador Mangabeira.

Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio