A PEQUENA cidade de Governador Mangabeira foi plantada e fundada com a bravura dos pioneiros.
É uma roseira no recôncavo baiano, que deu um galho com três rosas em longas hastes, que são as suas três ruas. É uma cidade pobre, mas tem a riqueza no coração de seus habitantes.
Pertencia a Muritiba, um arraial. Quis a sua independência e tornar-se uma cidade, para honrar o nome de seu filho, o grande poeta, Castro Alves, nascido em Cabeceiras, que pelo direito pertence a Governador Mangabeira. A cidade é limpa, as casas são graciosas. A cadeia está sempre vazia porque não há criminosos.
A alma de Castro Alves predomina até no ar que se respira. A poesia continua, como no tempo em que seu filho cantou, em versos imortais, o Navio Negreiro e outros versos em defesa dos oprimidos e em defesa da pátria amada: Brasil.
A poesia de hoje não está nos versos do poeta. Está na beleza de suas mulheres. Está nas noites de lua que a eletricidade não conseguiu superar; está no solo fecundo onde crescem flores e hortaliças em abundância; está na sombra das mangueiras, que dão os mais deliciosos frutos; está na sombra das jaqueiras, que nos convida a repousar olhando de baixo os seus frutos, que parecem balões pendurados; está na fonte da Bica que com a sua água fresca e cristalina oferece banhos sadios e maravilhosos; está no chapéu de couro dos catingueiros, que aos sábados vêm fazer a feira; está nas casas de sapé dos arredores; está na graciosa igreja, que aos domingos se abre, quando o padre de S. Félix vem celebrar a missa, está, enfim, na lenda do logarejo chamado Bom Sucesso, onde se venera a imagem do Senhor de Bom Sucesso, padroeiro da cidade, que antes se chamava Cabeças.
O nome originou-se porque quando os pioneiros partiram de Salvador, capital da Bahia, com destino ao recôncavo baiano, desbravando matas e conquistando terreno, à foice e a machado, viram um caminho naquele lugar, que parecia uma estreita estrada. Eles armaram as barracas, plantaram um marco, fizeram grandes fogueiras, dispostos a descansarem alguns dias, a fim de refazerem as energias perdidas. Depois prosseguiram a jornada, até a planície que eles denominaram Cruz das Almas, porque no meio dos arbustos havia uma grande cruz de madeira. Aproximaram-se e viram que a cruz era uma árvore, que nasceu em forma de cruz.
Depois os índios avisaram que eles não voltassem, porque poucas léguas distante, num lugar que tinha um caminho como estreita estrada, existia uma grande cobra, com vinte e um metros de comprimento e com sete cabeças.
Comia com todas as sete cabeças, durante sete dias, depois dormia sete dias. Quando conseguia pegar um índio, comia o corpo, deixava a cabeça, que guardava perto da fonte da Bica, como troféu.
Eles tiveram sorte, quando passaram, a cobra estava dormindo. Só uma coisa, ela tinha medo: era do fogo.
Eles não podiam permanecer para sempre naquele lugar, que eles fundaram a fazenda Cruz das Almas. Era preciso matar o monstro e voltar. Bem armados, foram preparando fogueiras, como as de S. João, quando estavam próximo do lugar. Puseram um líquido inflamável e deixaram para acender quando fosse preciso. A cobra estava acordada. Quando os viu, partiu para liquidá-los. A fuzilaria foi cerrada. Quanto mais eles atiravam, mais o monstro avançava. Eles foram recuando e acendendo as fogueiras. Assim eles salvaram as suas vidas. Desanimados, voltaram.
Ao ouvir o insucesso da missão, frei Afonso, o Jesuíta, que os acompanhava, tinha ficado em Cruz das Almas, rezando, prometeu rezar mais e encontrar uma solução. Ele passou a noite deitado, ao pé da cruz, rezando.
No dia seguinte ele disse: — "Nós temos um canhão, vamos precisar. Levarei sete balas de canhão, com água benta. Uma para cada cabeça da cobra. José, que é escultor, deverá esculpir uma cruz de madeira, de jacarandá, e uma imagem de Jesus, em cajá, para botarmos no canhão. Só assim poderemos vencer o monstro”.
Tudo foi feito. Levaram o canhão, com a cruz e a imagem de Jesus, na frente. Quando o monstro apareceu, o primeiro tiro arrancou uma cabeça, o segundo outra, até o último, que arrancou a última cabeça. A serpente soltava urros, abalava tudo. Depois eles queimaram o corpo da serpente. Encontraram muitas cabeças de índios mumificadas pela cobra, que eles deram sepultura. Por esse motivo eles batizaram o lugar com o nome de Cabeças. E pela ajuda de Jesus, cuja imagem estava na frente do canhão, pelo sucesso alcançado, frei Afonso batizou a imagem com o nome de Senhor do Bom Sucesso.
Até hoje é venerada em Governador Mangabeira.
Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio
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