OS PIONEIROS partiram de Salvador, capital da Bahia, com destino ao recôncavo baiano. Foram por mar. Depois que navegaram algumas horas, passaram para um grande rio, chamado Paraguassu. Aportaram em um lugar onde puseram o primeiro marco de uma fazenda, hoje a Cachoeira heróica, que foi a primeira cidade do Brasil a dar o grito de independência.
Nos tempos atuais resiste heroicamente às enchentes do Paraguassu. Do outro lado do rio puseram outro marco onde mais tarde nasceu a bela cidade de S. Félix. Depois eles subiram, desbravando a mata, a serra e do alto contemplaram o rio que corria entre duas terras bravias, sem poderem imaginar que mais tarde seria o mais lindo espetáculo da Bahia: contemplar do alto a grande ponte sobre um rio, que tem em suas margens duas lindas cidades — S. Félix e Cachoeira.
Depois os pioneiros seguiram sua árdua jornada, pois tinham de abrir caminho à foice e a machado. Plantaram um marco no lugar onde hoje é Muritiba. Depois de muito andarem puseram outro marco no lugar que se denomina cidade de Governador Mangabeira. Ali armaram barracas e fizeram fogueiras, dispostos a descansarem alguns dias, a fim de armazenarem novas energias. Prosseguiram a jornada, que era lenta porque, como já disse, tinham que abrir caminho à foice e a machado.
Três dias depois chegaram a uma grande e bela planície. Seus corações exaltaram, quando eles viram, no meio de pequenos arbustos, uma grande cruz de madeira, cujas dimensões se assemelhavam com a Cruz do Gólgota. Era majestosa e bela. Era mais que tudo misteriosa. "Qual seria a mão que colocou aquela cruz ali?" Eles se perguntavam uns aos outros, admirados.
Aproximaram-se da cruz, tiveram a surpresa de verificarem que não era feita pela mão do homem. Era uma cruz feita pela natureza. Era uma árvore, que nasceu e cresceu em forma de cruz. Frei Afonso, o jesuíta que acompanhava os pioneiros, disse: "neste lugar não há ninguém, portanto esta cruz pertence às almas", e batizou o lugar com o nome de CRUZ DAS ALMAS. Dali mais tarde surgiu a grande cidade de Cruz das Almas, alto ponto no progresso do Estado da Bahia. Na mencionada cruz Frei Afonso celebrou a primeira missa que se ouviu naquelas planícies.
Dias depois apareceu um grupo de índios, que tinham sua aldeia do lado dos Poções. Eram mansos. Contaram a história da Cruz. segundo a qual na tribo, séculos passados, existia uma linda índia, filha do cacique. Era querida de todos. Seu nome era Iracy. Só uma santa podia ter um coração tão magnânimo. Cuidava dos doentes, protegia as crianças, dava assistência aos velhos e alimentava os pássaros. Os guerreiros da tribo a disputavam. Por fim ela ficou noiva de Ubiratan, o grande e viril guerreiro. Porém outra índia, por inveja, pois amava Uribatan, jurou vingança. Uma noite. Iracy sonhou com um homem chamado Jesus Cristo, que tinha uma grande cruz, e que lhe ensinou verdades divinas e disse que não comessem mais carne humana, que era pecado. No dia seguinte, Iracy contou o sonho e pregou a palavra de Deus. Todos a ouviram maravilhados. A partir daquele dia deixaram de comer carne humana. A invejosa índia, cujo nome era Jupiranha, reuniu um grupo de índios e lhes disse que Iracy estava com espírito maligno, que era preciso matá-la, para não contaminar a tribo, com maus espíritos.
A malvada atraiu a pobre Iracy a um lugar distante e com seus asseclas a mataram a pauladas. Já tinham uma onça presa para depois entregarem o corpo para a onça, a fim de que a mesma levasse a culpa. Porém os gritos da pobre Iracy foram ouvidos, por alguns guerreiros, que estavam caçando e correram incontinenti ao lugar. Ali mesmo fizeram justiça. Mataram Jupiranha, do mesmo modo que eles mataram Iracy. Levaram os asseclas de Jupiranha para eles dizerem a verdade. Enterraram o corpo da malvada em um lugar distante.
A sua alma virou um pássaro agoureiro, que nas noites sem lua, quando as estrelas se escondem, como que amedrontadas, põe-se a gritar: Canalha... Canalha... Canalha... Justamente o que ela fora em vida.
Na sepultura de Iracy nasceu a grande árvore em forma de cruz. Não se sabe como a Cruz desapareceu misteriosamente. Os índios disseram que Tupan a levou junto com o corpo de Iracy para as planícies divinas. Mas no lugar nasceu outra Cruz. A CRUZ DAS ALMAS, cidade que é tão linda e tão poética, como foi Iracy.
Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio
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