segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Cruz das Almas

OS PIONEIROS partiram de Salvador, capital da Ba­hia, com destino ao recôncavo baiano. Foram por mar. Depois que navegaram algumas horas, passaram para um grande rio, chamado Paraguassu. Aportaram em um lugar onde puseram o primeiro marco de uma fazenda, hoje a Cachoeira heróica, que foi a primeira cidade do Brasil a dar o grito de independência.
Nos tempos atuais resiste heroicamente às enchentes do Paraguassu. Do outro lado do rio puseram outro marco onde mais tarde nasceu a bela cidade de S. Félix. Depois eles subiram, desbravando a mata, a serra e do alto con­templaram o rio que corria entre duas terras bravias, sem poderem imaginar que mais tarde seria o mais lindo espe­táculo da Bahia: contemplar do alto a grande ponte sobre um rio, que tem em suas margens duas lindas cidades — S. Félix e Cachoeira.
Depois os pioneiros seguiram sua árdua jornada, pois tinham de abrir caminho à foice e a machado. Plantaram um marco no lugar onde hoje é Muritiba. De­pois de muito andarem puseram outro marco no lugar que se denomina cidade de Governador Mangabeira. Ali arma­ram barracas e fizeram fogueiras, dispostos a descansarem alguns dias, a fim de armazenarem novas energias. Pros­seguiram a jornada, que era lenta porque, como já disse, tinham que abrir caminho à foice e a machado.
Três dias depois chegaram a uma grande e bela planí­cie. Seus corações exaltaram, quando eles viram, no meio de pequenos arbustos, uma grande cruz de madeira, cujas dimensões se assemelhavam com a Cruz do Gólgota. Era majestosa e bela. Era mais que tudo misteriosa. "Qual seria a mão que colocou aquela cruz ali?" Eles se per­guntavam uns aos outros, admirados.
Aproximaram-se da cruz, tiveram a surpresa de verificarem que não era feita pela mão do homem. Era uma cruz feita pela natureza. Era uma árvore, que nasceu e cresceu em forma de cruz. Frei Afonso, o jesuíta que acompanhava os pioneiros, disse: "neste lugar não há ninguém, portanto esta cruz pertence às almas", e batizou o lugar com o nome de CRUZ DAS ALMAS. Dali mais tarde surgiu a grande cidade de Cruz das Almas, alto ponto no progresso do Estado da Bahia. Na mencionada cruz Frei Afonso celebrou a primeira missa que se ouviu naquelas planícies.
Dias depois apareceu um grupo de índios, que tinham sua aldeia do lado dos Poções. Eram mansos. Contaram a história da Cruz. segundo a qual na tribo, séculos passados, existia uma linda índia, filha do cacique. Era querida de todos. Seu nome era Iracy. Só uma santa podia ter um coração tão magnânimo. Cui­dava dos doentes, protegia as crianças, dava assistência aos velhos e alimentava os pássaros. Os guerreiros da tribo a disputavam. Por fim ela ficou noiva de Ubiratan, o gran­de e viril guerreiro. Porém outra índia, por inveja, pois amava Uribatan, jurou vingança. Uma noite. Iracy sonhou com um homem chamado Jesus Cristo, que tinha uma grande cruz, e que lhe ensinou verdades divinas e disse que não comessem mais carne humana, que era pecado. No dia seguinte, Iracy contou o sonho e pregou a palavra de Deus. Todos a ouviram maravilhados. A partir daquele dia deixaram de comer carne humana. A invejosa índia, cujo nome era Jupiranha, reuniu um grupo de índios e lhes disse que Iracy estava com espírito maligno, que era pre­ciso matá-la, para não contaminar a tribo, com maus espíritos.
A malvada atraiu a pobre Iracy a um lugar distante e com seus asseclas a mataram a pauladas. Já tinham uma onça presa para depois entregarem o corpo para a onça, a fim de que a mesma levasse a culpa. Porém os gritos da pobre Iracy foram ouvidos, por alguns guerreiros, que estavam caçando e correram incontinenti ao lugar. Ali mes­mo fizeram justiça. Mataram Jupiranha, do mesmo modo que eles mataram Iracy. Levaram os asseclas de Jupira­nha para eles dizerem a verdade. Enterraram o corpo da malvada em um lugar distante.
A sua alma virou um pás­saro agoureiro, que nas noites sem lua, quando as estrelas se escondem, como que amedrontadas, põe-se a gritar: Ca­nalha... Canalha... Canalha... Justamente o que ela fora em vida.
Na sepultura de Iracy nasceu a grande árvore em for­ma de cruz. Não se sabe como a Cruz desapareceu miste­riosamente. Os índios disseram que Tupan a levou junto com o corpo de Iracy para as planícies divinas. Mas no lugar nasceu outra Cruz. A CRUZ DAS ALMAS, cidade que é tão linda e tão poética, como foi Iracy.

Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio

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