segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Feira de Santana

ERA uma linda princesa índia, de longos cabelos luzidios, olhos negros e corpo que parecia de uma Vênus. Seu nome era Feira.
Usava grandes argolas de ouro, que em conjunto com o seu diadema, de pedras preciosas e penas, davam expressão à sua personalidade sertaneja. Sua saia era longa, feita de um tecido de fibra de bananeira e con­tas de mulungu. Era querida de toda a tribo. Quando cantava, a sua voz suave e bela atraía os pássaros, com a voz do Uiarapuru. Seu noivo era um príncipe índio, cha­mado Jiquié. Habitava a muitas luas distante da sua gleba, porém ele vencia as asperezas do sertão, viajando por mui­tas semanas, para ver a sua amada.
A princesa Feira armava a sua rede na sombra dos umbuzeiros e saboreava seus frutos deliciosos. O vento morno e suave a embalava nas noites maravilhosas e per­fumadas do sertão. Naquele tempo não havia seca, porque o sertão não estava desnudo. A mão do homem ainda não tinha decepado as árvores. O sertão era verde como a esperança. Coberto de flores, como um divino jardim. Quan­do a noite descia, os índios acendiam a grande fogueira, para espantar os mosquitos, as cobras e as onças, e também se aquecerem do frio, que descia com a noite, enquanto uma flauta índia tocava melodiosamente.
Feira costumava ir pelos campos, colher flores. Quan­do ela viu o primeiro homem branco que pisou naquelas glebas, um padre jesuíta, que estava sendo atacado por um jaguar negro, rápida, atirou uma flecha no coração da fera, matando-a. Era fêmea. O macho, que tudo viu, jurou vingança. Feira levou o padre jesuíta, que se cha­mava Frei Gonsalo, para a taba. O pajé curou-lhe os feri­mentos feitos pela onça. O jesuíta batizou os índios. À Feira acrescentou-lhe o nome de Santana. Passou a cha­mar-se, pois, Feira de Santana. O cacique, seu pai, foi batizado com o nome de Salvador e a mãe com o nome de Bahia.
O jesuíta avisou que uma expedição estava a cami­nho dali, desbravando as matas. Os índios estavam pre­parando grandes festas e danças, para receber os visitantes. Porém o jaguar negro não parava de rondar a taba, em busca de oportunidade para vingar a companheira abatida pela princesa índia. Feira de Santana não imaginava que estava sendo observada pela fera, que se ocultava nas moi­tas e tinha sempre os seus olhos cintilantes, injetados de ódio, dirigidos à linda princesa índia.
O dia fatal chegou quando Feira de Santana, distanciando-se da taba, foi em busca de flores, para ornamentar a aldeia, em homenagem aos visitantes, que não tardariam a chegar. Rápido, o terrível jaguar pulou sobre a pobre Feira de Santana. Seus gritos foram ouvidos por alguns índios, que partiram em seu socorro e ainda conseguiram matar o jaguar. Porém era tarde demais. Levaram a pobre índia, quase morta, para a taba. Frei Gonsalo, o jesuíta, administrou-lhe os últimos sacramentos. A expedição chegou ainda a tempo de ouvir as últimas palavras de Feira de Santana, e que foram: "Não chorem, não se preocupem, que eu nascerei outra vez".
Seu último sopro de vida foi nos braços de sua mãe Bahia. A bela Feira de Santana partiu para as glebas divi­nas. Cumpriu, no entanto, a promessa. Nasceu outra vez. Não nasceu mais a princesa índia. Nasceu uma cidade que tem o seu nome... e que é o orgulho da Bahia!... que é um poema plantado no sertão... ela nasceu FEIRA DE SANTANA, a princesa do sertão! A mais linda cidade da Bahia, com esplendor e beleza. Nas calçadas de suas ruas pisam as mais lindas moças do Brasil.
Tive a felicidade de viver dois dias e duas noites em Feira de Santana. Guardo em minha lembrança aquele pequeno espaço de tempo, como uma jóia de inestimável valor. Também guardo em minha lembrança a sua feira, rica em tudo, que parece mais uma reunião de bravos sertanejos, para uma grande comemo­ração. Vi na grande feira tudo que podia seduzir os olhos e o estômago. Também vi e ouvi os sons plangentes de uma viola, tocada por um menino cego, que parecia um lamento de dor dirigido à bela índia morta. As tão discutidas Noi­tes da Arábia não podem ser mais lindas que as noites de Feira de Santana. Um vento que parece divino sopra o calor, deixando que a temperatura desça. No ar há qualquer cousa de mistério, que nos convida a amar Feira de San­tana. Eu dormi envolta nesse mistério e sonhei com a linda princesa índia, Feira de Santana, que me embalava em sua rede e cantava para mim.

Princesa Kee-Kow (contos). KOSNICK, Maria Chiacchio

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